O projeto de lei que recebeu a alcunha de “Pinto Feliz” e foi apresentado pelo vereador Mário Nadaf (PV) à Câmara Municipal de Cuiabá na semana passada trouxe, à tona, uma discussão muito maior do que a proposta de distribuir, gratuitamente, viagra a homens com mais de 60 anos. Com a atual estrutura do sistema público de saúde da Capital, seria possível atender à demanda de idosos com os devidos cuidados e informações das quais eles precisam?
Para o geriatra Eduardo Antônio Cardoso, essa estrutura não há. Apesar disso, o médico defende que a discussão em torno do projeto é salutar e, antes de ser aprovado, precisa garantir uma estrutura base para dar suporte ao idoso. O médico ressalta que nem todo tipo de disfunção erétil pode ser resolvida com o uso de medicamentos e que há a necessidade de um corpo de profissionais da saúde para diagnosticar o problema que varia de indivíduo para indivíduo.
“Essa é uma medida importante, um projeto a ser pensado. Mas esse medicamento deve prescrito com critérios, não é indicado para todos os tipos de disfunção erétil. Há a necessidade de uma equipe multidisciplinar, formada por urologistas, geriatras, psicólogos. A depender do caso, é preciso de apoio da urologia para implantação de próteses. É uma dimensão ampla”, afirma o doutor que se especializou na Universidade de São Paulo (USP).
Cardoso também ressalta que os idosos, hoje, podem prolongar a vida sexual por mais tempo e que esse tipo de procura ainda é visto como tabu por grande parte da sociedade.
“A disfunção erétil, a sexualidade na velhice são realidades. Os idosos, a cada dia, têm mantido uma saúde sexual por longos anos, por mais tempo. Ser idoso não exclui a atividade sexual e a sexualidade, é um problema amplo. A disfunção erétril é uma queixa comum, mas tem impactos muito negativos para a vida do paciente. Ainda é um tabu, e o idoso precisa ser amparado”, disse o geriatra.
Riscos à saúde
O imaginário popular sempre cultivou a ideia de que pessoas com problemas de pressão alta poderiam ser enquadradas, prontamente, na categoria de grupo de risco para o consumo do viagra.
Cardoso explica, no entanto, que o problema maior corresponde a uma reação entre nitratos, que estão nos medicamentos para controlar os problemas cardiovasculares, e o viagra.
“O medicamento indicado por cardiologistas são constituídos de nitratos, monocordil, isordil, e nitratos de forma geral, que podem ter efeitos colaterais, efeitos graves se combinados com consumo de viagra. No entanto, dentro dessa abordagem multidisciplinar, a distribuição gratuita, pelo SUS, pode ser muito positiva", argumenta o geriatra.
Outro problema associado ao uso irresponsável de viagra por parte dos idosos, é o HIV. Há tanta disseminação entre esse grupo que,em 2008, a Campanha do Dia Mundial de Luta Contra a Aids teve como público-alvo a população heterossexual com mais de 50 anos de idade. De acordo com um relatório do Ministério da Saúde, os números dobraram, de 7,5% em 1996 para 15,7% em 2006.
Ainda, segundo o estudo, pessoas acima de 50 anos de idade têm uma vida sexualmente bastante ativa. Cerca de 73,1% fez sexo no último ano e apenas 22,3% usaram preservativo na última relação, ao contrário da população de 15 a 24 anos, onde 57,3% usaram na última relação.
Histórico de insucesso
Em seu histórico, a ideia já foi implementada em outro município de Mato Grosso antes do projeto apresentado por Nadaf à Câmara. De 2006 a 2008, a prefeitura de Novo Santo Antônio – aproximadamente a 1.000 km de Cuiabá - distribuiu remédios contra disfunção erétil aos homens idosos da cidade de pouco mais de 2,2 mil habitantes (estimativa do IBGE para 2013).
O projeto foi extinto por conta dos altos índices de infidelidade que começaram a sugir no município e após recomendações médicas a respeito do risco de ataque cardíaco aos idosos do município.
Agora, para ser aprovado, o projeto “Pinto Feliz” deve ser discutido pelas comissões competentes da Câmara, a de Constituição e Justiça e a de Saúde.
Oposicionistas políticos
Na Câmara instaurou-se um quiproquó por conta do tema que, para alguns, a começar pelo nome, o projeto não passa de gozação. É o caso do vereador Toninho de Souza (PSD) que trocou farpas com Mario Nadaf (PV) na sessão desta quinta-feira (17). Ambos possuem posições contrárias a respeito do projeto “Pinto Feliz”.
Durante a sessão, Toninho afirmou que, apesar de não ter uma solução para o caos em que se encontra a Saúde Pública, há questões muito maiores a serem discutidas pelos parlamentares na Câmara.
“No momento eu não estou preocupado se o membro sexual do cidadão está funcionando ou não, me poupe disso”.
Nadaf não gostou da forma como foi conduzida a conversa e subiu à tribuna para defender seu projeto. Pediu que seu “Pinto Feliz” fosse respeitado, assim como ele faz com projetos dos outros parlamentares.
“Eu não quero, de maneira nenhuma, pontuar atividade de vereador. Por vezes achei risível, hilário, alguns projetos, mas me mantive em meu silêncio em respeito à atividade parlamentar de cada um”.
O projeto deve receber um parecer das Comissões ainda esta semana, encerrando ou iniciando uma nova etapa de discussões junto à sociedade e aos parlamentares.