O Estado Brasileiro tem sido cruel com seus cidadãos e cidadãs no que tange a prestação de serviços de saúde, bem como tem descumprido frontalmente a Constituição Federal neste aspecto, posto que todos nós temos direitos aos atendimentos médicos de urgência, emergência, medicamentos para tratamento de saúde, próteses, órteses, cadeiras de rodas, tratamento para todas as doenças e atendimento pelo sistema Home Care.
Muitos cidadãos e cidadãs ao lerem este artigo pensarão “O que adianta? Não funciona!!!”.
Será que nós brasileiros conhecemos integralmente os nossos direitos? Será que exigimos da forma correta? Temos várias possiblidades de exigir os nossos direitos, seja mudando a classe política que está aí pelo voto, seja exigindo diretamente do Estado por requerimentos e pela procura ao atendimento ou mesmo quando o Estado nos nega ou se omite acioná-lo judicialmente.
No Brasil é assim, quem luta e conhece seus direitos acaba logrando êxito em relação aos que ignoram ou mesmo já entregaram as pontas.
A Constituição Federal de 1988 dedicou especial consideração à preservação da dignidade da pessoa humana, à proteção do consumidor e aos direitos sociais, dentre eles, está incluído, de forma expressa, a saúde.
Na realidade a atual Carta Constitucional de 1988 elevou a saúde à categoria de direito social e estabeleceu os princípios da universalidade, da gratuidade e da assistência integral, admitindo a participação privada na sua Execução.
Neste panorama, em 1.988 o Brasil decidiu que a saúde constitui direito social e outorgou ao Estado a obrigação de garantir sua prevenção e recuperação mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Desse modo, toda conduta do ente público que negar tratamento de saúde as pessoas e cujo tratamento é necessário para restabelecer a saúde e evitar a morte, atenta contra a dignidade da pessoa humana e afronta à Constituição Federal, o que causa a perda da vitalidade jurídica se assim perdurar.
Nestas circunstâncias, deve o titular do direito, ao buscar o acesso universal a saúde, ter a mais ampla proteção e a seu favor serem dirimidas quaisquer dúvidas, de tal sorte que as posturas que negam qualquer tratamento, devem ser combatidas energicamente inclusive pelo Poder Judiciário.
A par disso, as normas relativas ao direito à saúde, cuja assistência é livre à iniciativa privada (CF/88, art. 199), têm sede na Seção II, do Capítulo II, do Título VII, da Constituição da República Federativa do Brasil ("DA ORDEM SOCIAL"), dispondo o artigo 197 que:
Art. 197. São de relevância pública as ações e os serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado".
É um engano pensar que apenas as pessoas carentes e desprovidas de dinheiro têm direitos aos medicamentos, e tratamentos, pois o direito é universal.
Os medicamentos de alto custo e as internações via home care podem e devem ser requeridas por todos nós, independentemente da classe social.
Para aqueles que desconhecem, o Estado é obrigado pela Lei 10.424/2002 fornecer o tratamento no sistema home care, lei esta responsável por salvar muitas vidas
O sistema Home Care consiste em encaminhar para tratamento médico domiciliar o paciente clinicamente estável que não necessita mais de uma gama de serviços oferecidos pelos hospitais, o que se torna uma opção segura e eficiente a pacientes portadores de patologias, tanto agudas como crônicas sequelares e neoplasias, com internações prolongadas ou reinternações freqüentes, o que permite a redução do risco de infecções resistentes, a melhoria da qualidade de vida do paciente e da família, evitando a perda do vínculo familiar.
Os serviços de home care ou seja internação domiciliar é tão seguro que o Estado brasileiro a partir de abril de 2002, fez inserir em Lei a internação domiciliar, conforme o que prevê a Lei 10.424/2002 in verbis:
“Art. 1º A Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte Capítulo VI e do art. 19-I:
“CAPITULO VI
DO SUBSITEMA DE ATENDIMENTO E INTERNAÇÃO DOMICILIAR
“Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar.
§1º Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio.
§2º O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora.
§3º O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação médica, com expressa concordância do paciente e de sua família.”
Neste sentido o Estado passou a adotar o sistema de internação domiciliar como forma de reduzir os riscos de infecção hospitalar dos pacientes, melhor qualidade de vida e também desafogar os leitos dos hospitais conveniados com o SUS.
Acontece, que no Estado de Mato Grosso bem como no Município de Cuiabá, os administradores não cumprem a lei e não aplicam o sistema de internação em domicílio, e sabem porque? Porque a sobrevida do paciente internado em domicílio é maior do que no hospital, em que pese o custo seja menor para mantê-lo vivo.
Assim, o Estado mais uma vez está ausente no que tange a saúde, pois ignora o direito legal e constitucional das pessoas.
Frise-se que, além da ofensa à saúde e à vida, há também o desperdício do dinheiro público, posto que, diante da não priorização de recursos pelo Estado para criar estruturas de “home car”, os pacientes são obrigados a mobilizar outros serviços públicos, como o Poder Judiciário, implicando em desnecessários e pesados gastos para o Poder Público, o que configura conduta incompatível com a moralidade e a probidade administrativas.
Assim para aqueles que procuram tratamento junto ao Estado e este lhe nega ou mesmo alega não ter leitos, pode e deve distribuir Ação de Obrigação de Fazer contra o Estado e o Município, pois estes entes possuem responsabilidade solidária com o cidadão e a cidadã.
Em casos corriqueiros em que a família internou seu ente querido para tratamento de urgência e emergência em hospital particular e foi obrigado a entregar cheque caução ou mesmo assinar contrato de prestação de serviços, o Estado e Município serão responsáveis solidariamente ao pagamento deste custo.
A saúde é um direito constitucional de todos nós, os quais não podemos de forma alguma abrir mão ou mesmo esquecer de cobrar, e é um Dever do Estado do qual não podemos aceitar sua omissão, pois um País se constrói com cidadãos e cidadãs exigentes e conhecedores de seus direitos.
Ana Lúcia Ricarte, advogada militante, Diretora do IBDFAM-MT e mulher BPW.